Por que proteger as margens dos rios? Essa proteção é igual nos outros países?

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Quando falamos de APPs na área ambiental, as discussões ficam calorosas. Qual é a metragem ideal de proteção? Outros países cumprem as mesmas regras que o Brasil? Será que 30 metros é muito? ou pouco?

As matas ciliares são as formações vegetacionais que encontram-se no entorno de rios, lagos e outros corpos d’água.

No Brasil, a lei que protege tais ambientes é o Código Florestal (Lei 12.651/2012), definindo metragens para rios com diferentes tamanhos, reservatórios e nascentes.

Mas será que o Brasil é o único a utilizar esse tipo de proteção? Será que os pesquisadores concordam com as metragens colocadas? Confira nossa postagem e descubra.

O que a pesquisa tem mostrado

É fato que as matas ciliares fornecem uma proteção aos recursos hídricos, seja por meio da estabilidade de taludes seja pela filtragem de poluentes.

O principal problema é estabelecer qual é a melhor metragem.

Ellen Hawes e Markelle Smith produziram um estudo sobre matas ciliares e escreveram uma frase que acredito que deva ser reproduzida na íntegra.

The width of a buffer depends greatly on what resource you are trying to protect. (HAWES E SMITH, 2005)

Traduzindo para o bom português temos, a faixa de proteção de matas ciliares depende muito do recurso que você quer proteger. Ou seja, conforme a necessidade da sua bacia hidrográfica, você determinará a faixa ideal de proteção.

Estudos apresentados por Todd Walter et al. (2009) têm demonstrado que para retenção de sedimentos, estabilização do talude e temperatura da água, faixas de matas ciliares menores que 20 metros podem contribuir positivamente.

Porém, tais estudos apresentam incertezas quanto à efetividade do tamanho das matas ciliares para a retenção de outros poluentes (tais como nutrientes, pesticidas e patógenos).

Por outro lado, no artigo apresentado por Klapproth e colaboradores, estes poluentes podem ser removidos pela vegetação existente na mata ciliar.

Sendo que faixas entre 4,57 metros (15 pés) e 9,14 metros (30 pés) seriam suficientes para reter os sedimentos mais grossos (como areia). Sedimentos mais finos (como argila) precisariam de uma faixa de 91,44 à 121,92 metros (300 à 400 pés).

Porém, com o tempo, tais “filtros” (matas ciliares) acabam ficando saturados, perdendo parte da sua capacidade de retenção de poluentes.

Assim, é fundamental o planejamento do uso da terra, de forma a evitar práticas que produzam muitos sedimentos (ou seja, práticas que pouco conservam o solo – acarretando em grandes focos erosivos).

Deve-se eliminar então, as fontes produtoras de sedimentos e poluentes.

Mas não é somente o tamanho da faixa da mata ciliar que irá contribuir como filtro.

O tipo de solo também auxilia nesta tarefa.

Solos com alto teores de matéria orgânica contribuem na retenção de poluentes como nitrogênio e fósforo, assim como a textura do solo.

No final das contas, Klapproth e colaboradores apontam como recomendação genérica o uso de faixas de proteção entre 50 e 100 pés (15,24 e 30,48 metros) para retenção de sedimentos, sendo que esta faixa deve ser aumentada 1,5 metros a cada incremento de 1% da declividade.

As APP no Brasil

No Brasil, o Código Florestal (Lei 12.651/2012) determina qual deve ser o tamanho das faixas de proteção permanente (APP), sendo as APP definidas como (Art. 3º – Parágrafo II):

“[…] área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.

Note que a APP tem diversas funções, independente dela ter vegetação ou não.

Após definir o que é uma APP, o Código Florestal aponta, no artigo 4ª, as faixas de proteção ao longo dos corpos d’águas (e outros elementos naturais que não são objeto desta postagem).

A partir do leito regular, a largura mínima de proteção é de 30 metros para rios perenes e intermitentes (sendo que os cursos d’água efêmeros não entram nesta classe de proteção) com largura menor que 10 metros.

Divisão da Calha do Rio.
Divisão da Calha do Rio.

Na nossa situação, o leito menor seria o equivalente ao leito regular.

Essa é a condição mais simples do nosso Código Florestal, mas existem exceções que podem modificar o tamanho dessa faixa de proteção (tais como áreas consolidadas – Veja a Seção II do mesmo código).

O que diz a legislação lá fora?

Na Malásia, as APP podem variar entre 5 e 50 metros, dependendo do tamanho do rio, conforme aponta Claudia Gray – que ainda completa que a faixa de proteção pode mudar conforme o estado.

Além dessa variação entre estados, a Malásia esta considerando adotar para todo o país uma faixa mínima de APP de 20 metros, tendo em vista que os 10 metros praticados não são suficientes para proteger os recursos hídricos. Confira a matéria clicando aqui.

Rio Kinabatangan (Malásia)
Elefante na APP do Rio Kinabatangan (Malásia) – Foto por Rob Hampson no Unsplash.

No Estado da Pensilvânia (EUA), a APP de recursos hídricos (não classificados como especiais) é de 50 pés (equivalente à 30,5 metros), enquanto para os outros cursos d’água especiais, é de 150 pés (45,7 metros).

Brett A. Boisjolie e seus colegas compararam a legislação de uso do solo na área costeira do estado do Oregon (EUA). Eles encontraram 25 padrões de gestão do uso da terra, com faixas de proteção de matas ciliares que variavam entre zero (para áreas agrícolas) e 152 metros (para áreas federais e rios que contenham peixes).

Autores como Philip Lee, Cheryl Smyth e Stan Boutin comparam as faixas de proteção de matas ciliares no Canadá e nos EUA, obtendo valores médios de 15,1 à 29 metros.

Os autores Constance McDermott, Benjamin Cashore e Peter Kanowski, no seu livro Global Environmental Forest Policies, comparam as politicas de proteção de florestas ao redor do mundo, incluindo as faixas das matas ciliares.

Eles apresentam a metragem de APP para diferentes países do oeste europeu, as quais são apresentadas abaixo:

  • Portugal: 10 metros para florestas privadas;
  • Suécia: Não há definição específica de faixa de proteção;
  • Finlândia: Entre 10 e 30 metros, conforme recurso hídrico;

Na província de Québec (no Canadá), a APP de lagos e cursos d’água é determinada pela declividade e altura do talude.

Quando a declividade for inferior à 30% (ou ainda apresentar um talude com altura menor que 5 metros), a APP é de 10 metros, caso contrário, ela será uma faixa de 15 metros, a partir do leito superior (Confira a lei completa aqui).

Rio Englishman (Errington, Canada)
Rio Englishman (Errington, Canadá) – Foto por Jacalyn Beales no Unsplash.

As faixas de proteção de matas ciliares na Dinamarca, Suécia e Noruega, levantadas por Antonio Tredanari, são apresentadas abaixo:

  • Suécia: Mínimo de 6 metros e máximo de 20 metros (adoção voluntária);
  • Dinamarca: 10 metros;
  • Noruega: 5 a 6 metros, mas em áreas prioritárias é 12 metros.

Obviamente, tais exigências de faixas de proteção não são tão simples assim, cada legislação tem suas características e exceções que devem ser levadas em conta, assim como, as características de cada ambiente hídrico são diferentes, levando a diferentes proposições de faixas de APP.

Do ponto de vista técnico

Acabamos de ver que não há um consenso com relação ao melhor tamanho da faixa de proteção permanente.

Existe, inclusive, estudos comparando qual situação traz mais benefícios, APP fixas ou variáveis? Um desses estudos é de T. Tiwari e colaboradores, onde estes concluíram que faixas variáveis ao longo do rio são menos custosas.

Os autores colocam que a utilização de faixas variáveis de proteção incluem áreas menos produtivas e banhados, diferente da faixa fixa, a qual em certos momentos deixa de fora tais áreas ambientalmente sensíveis. Dessa forma, com uma faixa variável, os locais importantes do ponto de vista ecológico e biogeoquímico têm sua proteção garantida.

Porém, no Brasil, não temos essa liberdade de definição de faixas de proteção.

Mas, como profissional da área ambiental e como engenheiro, devemos pensar numa solução que equilibre as necessidades econômicos e ambientais.

Nesta lógica, as faixas de APP deveriam ser definidas nos planos de bacias hidrográficas, considerando um balanço hídrico e de sedimentos – Pois de nada adiantará uma faixa de 30 metros de mata ciliar se temos um solo explorado acima da sua capacidade, gerando grandes volumes de sedimentos.

“O problema da pecuária-agricultura é a pecuária-agricultura e não o Código Florestal” Sergius Gandolfi.

Não podemos enxergar as faixas de 30 metros como faixas salvadoras de rios. Sim, elas contribuem, mas devemos pensar no ambiente no qual elas estão inseridas e avaliar as melhores soluções para manter as condições dos recursos naturais em bom estado, seja mantendo uma faixa de 200 metros, seja mantendo uma faixa de 2 metros.

E você leitor engenheiro, qual é a sua experiência com as APP? Já teve problemas com elas? Deixe sua experiência nos comentários.



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Author: Fernando BS

Engenheiro Ambiental e de Segurança do Trabalho. Atua nas áreas de geoprocessamento, mineração e hidrologia. Busca soluções utilizando softwares como QGIS, R e Python.

2 thoughts on “Por que proteger as margens dos rios? Essa proteção é igual nos outros países?”

  1. No Paraná existe uma portaria bem controversa, PORTARIA do IAP Nº 69 DE 28/04/2015, que dispõe e adota de metodologia desenvolvida por Dias (2001) para cálculo da Faixa Mínima de Área de Preservação (FMAP) para reservatórios de geração hidrelétrica.

    1. Boa tarde Yan,

      Obrigado pelo comentário e por compartilhar a portaria do IAP. Reservatórios artificiais que represam cursos d’água naturais são colocados numa categoria diferente do que discutimos nessa postagem, nosso código florestal deixa a metragem a ser definida na licença ambiental do empreendimento (Art. 4º Inciso III).

      É importante lembrar que em reservatórios para geração de energia, é do interesse da empresa manter uma margem maior de proteção, pois o reservatório receberá menos sedimentos, aumentando sua vida útil.

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